Vidro, líquido ou sólido? Por FISICOOL.

Afinal, o vidro é um sólido ou é um líquido? Para muitos, o vidro é, sem sombra de dúvidas, um sólido, por causa da rigidez típica deste estado físico. Para outras que entendem mais da natureza estrutural desse material, a resposta tende a ser ´líquido´, mais especificamente ´um líquido muito viscoso´. Neste último caso, é quase sempre citado o exemplo dos vitrais europeus de Igreja da Idade Média, os quais, supostamente, teriam escorrido ao longo dos séculos por causa da sua natureza ´líquida´, fazendo com que a parte de baixo desses vidros ficassem mais grossa e mais fina na parte de cima. Mas será que isso condiz com a verdade?

Os vitrais de Igreja da Idade Média apresentam suas partes inferiores mais grossas do que as superiores, em um formato que aparentam uma espécie de escorrimento; seria essa uma pista para a natureza fluída dos vidros?

Basicamente, os sólidos são estruturas bem ordenadas, rígidas, resistentes à mudança de forma e volume, e não são fluídos, como os cristais e metais. Mas os sólidos podem existir também na forma amorfa, ou seja, possuem todas as característica acima listadas, mas não possuem sua estrutura ordenada, ou seja, seus átomos constituintes não estão dispostos de forma específica, podendo ocupar posições aleatórias dentro da estrutura. Já os líquidos são substâncias fluídas, podem ser facilmente moldadas em forma e volume e possuem seus átomos, moléculas ou íons fracamente ligados entre si. Bem, nesse caso, o vidro entraria na categoria dos sólidos amorfos, junto com diversos outros materiais, a exemplo de vários tipos de polímeros e o tão popular algodão-doce.

Para a fabricação do vidro, cristais de sílica ( quartzo) são resfriados rapidamente para a formação de um líquido super resfriado, ou seja, um líquido que passou do seu ponto de solidificação sem se transformar em um sólido. Nesse ponto, o resfriamento é continuado, dando origem ao nosso sólido amorfo, o vidro. Normalmente, para o super resfriamento, são adicionados outros sais, como o carbonato de sódio, para diminuir a temperatura de fusão dos cristais de sílica. Portanto, quando alguém diz que o vidro é um líquido ´super resfriado´, isso é um engano, já que esse não é o ponto final do material. Como dito, um resfriamento adicional é efetuado, na sua fase de transição vítrea, característica dos sólidos amorfos. Caso a sílica fundida fosse lentamente resfriada, ao invés do super resfriamento e transição vítrea, ela apenas iria sofrer uma cristalização e voltar ao seu estado ordenado de quartzo. No máximo, existe discordância entre os especialistas se os sólidos amorfos deveriam ser considerados um estado físico à parte, uma espécie de meio termo entre o líquido e o sólido. Mas dizer que o vidro é um líquido, não faz sentido. As forças de ligação entre suas ramificações intermoleculares ( caráter covalente) são muito fortes, algo que o faz ter as propriedades físicas de um clássico sólido, independente do seu desordenamento atômico.

Estrutura de um Quartzo e de um Vidro, onde podemos notar a diferença entre ambos quanto ao grau de organização dos seus átomos constituintes; no cristal, diferente do sólido amorfo, existe uma célula unitária que se propaga uniformemente pela estrutura do cristal, de forma muito bem ordenada e em uma geometria específica

Aí voltamos para os vitrais de Igrejas. Devido à suposição de que os vidros são líquidos, eles tenderiam a ter um valor de viscosidade expressivamente menor do que os sólidos, se aproximando dos valores encontrados nos fluídos bem viscosos (1). Com isso, com o passar dos séculos, seria mais do que natural que eles começassem a escorrer lentamente, deixando a parte inferior dos vitrais nas Igrejas medievais mais grossas do que a parte superior, algo, de fato, observado nessas janelas. Porém, enquanto a água e o melaço, em condições ambientes, possuem uma viscosidade de 0,01 e 500 poises, respectivamente, é estimado que o vidro possua um valor de viscosidade entre 1010 e 1020 poises! Ou seja, para eles fluírem como um líquido ao relento poderia demorar tanto tempo quanto a idade do nosso Universo. E outra: o chumbo metálico, um clássico sólido, possui viscosidade em torno de 1011, um valor até mais baixo do que a média encontrada nos vidros. Mas o que estaria acontecendo nos vidros dessas Igrejas então? Na verdade, isso é explicado por motivos fora da físico-química. Nessa época, o método de produção dos vidros para esses vitrais deixavam deformidades nas peças finais, fazendo com que certas regiões nas mesmas ficassem mais espessas do que outras. Por algum motivo, os trabalhadores nas Igrejas medievais preferiam deixar as regiões mais espessas na parte inferior dos vitrais, dando o aspecto de “escorrimento”. Caso você não esteja convencido, basta trazermos peças de vidraria muito mais antigas, como objetos na Roma e Egito Antigos, há mais de 2000 anos, as quais não apresentam tais “escorrimentos”.

À esquerda, peças de vidro da Roma Antiga e, à direita, peças de vidro do Egito Antigo; nenhuma delas apresentam os supostos “escorrimentos”

O que pode acontecer nos vidros com o passar do tempo é uma tendência deles passarem para o estado cristalino à temperatura e pressão ambientes. Sim, porque os sólidos amorfos são formados a partir de um processo controlado majoritariamente pela cinética, e não pela termodinâmica, deixando-os relativamente instáveis. Mas apesar da forma amorfa não ser termodinamicamente mais favorável nas condições ambientes, o tempo que levaria para ocorrer, naturalmente, essa transição estrutural seria longo demais e dependeria muito da presença de impurezas em sua estrutura. Caso essas impurezas existissem, formando locais de cristalização, você pode apostar em milhares de anos para isso ocorrer.

(1) Viscosidade de um fluído é a sua resistência em sofrer uma gradual deformação por tensão de cisalhamento ou tensão de tracção. Em termos mais simples, um líquido mais viscoso terá maior dificuldade em ocupar em mudar sua forma.

O líquido da esquerda possui menor viscosidade do que o líquido da esquerda

REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  1. http://math.ucr.edu/home/baez/physics/General/Glass/glass.html
  2. http://www.cmog.org/article/does-glass-flow
  3. http://www.scientificamerican.com/article/fact-fiction-glass-liquid/
  4. http://pslc.ws/macrog/tg.htm 

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